Autismo não verbal

Adolescente com autismo surpreende seus pais ao escrever uma carta profunda e sensível sobre pessoas com autismo

Autismo não verbalO jornal americano The Washington Post publicou em seu site uma detalhada matéria sobre Gordy, um adolescente com autismo não-verbal que surpreendeu seus pais ao escrever uma carta profunda e sensível sobre pessoas com autismo. A carta elaborada por Gordy foi direcionada ao departamento policial de sua localidade.

Segundo a matéria, ao longo dos primeiros 14 anos e meio da vida de Gordy, seus pais, Evan e Dara Baylinson, não pensavam que seu filho pudesse compreender qualquer coisa que eles dissessem. Gordy nunca tinha falado e isso fazia com que os seus pais conversassem frequentemente na sua presença acreditando que o filho não os compreendia. Os pais de Gordy descobririam recentemente que o filho compreendia sim os diálogos entre os membros da família. Ao longo do tempo, Gordy foi absorvendo tudo o que era falado na frente dele.

Para elaborar a mensagem enviada aos policiais de sua cidade, Gordy digitou cada letra, uma de cada vez, com o seu dedo indicador direito. O adolescente não foi treinado e suas palavras não foram editadas. Ninguém disse a ele o que escrever, segundo os seus pais e a terapeuta que o acompanha. Para Gordy, a carta é um chamado por atenção, reconhecimento e aceitação. A carta foi uma surpresa para a família e mostrou que Gordy é um excelente escritor, com muito a dizer. Gordy foi diagnosticado quando ele tinha 17 meses de idade. Agora, aos 16 anos, ele ainda não fala, mas tem mostrado que sua mente é repleta de conhecimento e de visões e opiniões sobre o mundo ao seu redor, que ele observa, acompanha e escuta com atenção.

A descoberta capaz de surpreender a família aconteceu em fevereiro de 2015. Uma das terapeutas da equipe de Gordy, Meghann Parkinson, começou a utilizar com ele uma nova abordagem chamada Rapid Prompting Method (RPM), que abrange um conjunto de técnicas desenvolvidas para auxiliar pessoas com autismo severo no desenvolvimento da linguagem. A abordagem inclui sessões em que a terapeuta faz perguntas, que o adolescente responde apontando para letras em uma placa de alfabeto. Após pouco mais de um ano de tratamento, Gordy demonstra avanços e já utiliza um teclado tipo QWERTY (layout de teclado atualmente mais utilizado em computadores e máquinas de escrever). As palavras aparecem na tela de um iPad, que fica apoiado na frente de Gordy, enquanto ele digita.

O Rapid Prompting Method é considerado muito controverso, sendo que, para alguns especialistas, a abordagem faz com que os terapeutas levem as crianças aos resultados observados. Há outros especialistas, contudo, que dizem que é possível, em uma minoria de casos, que pessoas com diagnósticos similares ao de Gordy possam aprender a se comunicar a partir da abordagem, beneficiando-se dela. Connie Kasari, uma reconhecida especialista em autismo e membro do Centro para Pesquisa e Tratamento do Autismo, na Universidade da Califórnia (UCLA), afirma: “Algumas crianças vão se beneficiar, outras crianças não. Não dá para dizer que um mesmo modelo servirá a todos. Alguns indivíduos que não são verbais são incrivelmente inteligentes.” O pai de Gordy, por exemplo, era cético no início do tratamento e estava ciente das inúmeras controvérsias que envolviam essa abordagem. Mas, com o tempo, quanto mais ele observava os conteúdos produzidos por Gordy, mais ele foi ficando convencido de que essas palavras eram realmente de Gordy, e que Gordy as estava elaborando sozinho.

A carta elaborada por Gordy ao departamento de polícia de sua localidade foi escrita durante sessões de tratamento utilizando o Rapid Prompting Method. A carta de Gordy chegou às mãos de Laurie Reyes, policial responsável por um programa que treina oficiais sobre como abordar e lidar com pessoas com autismo. Segundo Laurie Reyes, o departamento recebe duas a quatro ligações por semana para casos em que crianças com autismo se afastaram ou se perderam de casa. Por isso, ela começou um programa único para ensinar os oficiais a tratar as pessoas autismo com dignidade e compaixão. “Eu sempre compartilhei com os oficiais que ensino que não devemos nunca subestimar uma pessoa com autismo.” “Eu também ensino a eles a não associar o fato de a pessoa ser não-verbal com um possível déficit de inteligência. Insisto continuamente nesses dois pensamentos junto aos meus oficiais.” escreveu Reyes para Gordy. A policial disse que a carta de Gordy vai ajudar a reforçar estas ideias cada vez mais junto à sua equipe.

Após a elaboração da carta enviada ao departamento policial, os pais de Gordy contam que o garoto continua a surpreendê-los. Por exemplo, eles estavam trabalhando sobre vulcões e mencionaram o Monte Vesúvio, o único vulcão ativo na Europa continental. Os pais perguntaram a Gordy se ele conhecia um vulcão ativo nos Estados Unidos e ele digitou “Mt. St. Helen”. Seus pais afirmaram que nunca haviam lhe ensinado nada sobre isso e eles descobriram que Gordy tinha visto essa notícia certa vez na capa de uma revista, na sala de espera de um médico.”O céu é o limite para ele agora. Eu acredito que ele pode fazer o que quiser “, disse Evan Baylinson, pai de Gordy. Perguntaram a Gordy que tipo de trabalho ele estaria interessado em fazer e ele respondeu que gostaria de ser um pesquisador para a revista Time.

Leia abaixo a tradução livre para a Língua Portuguesa da carta elaborada por Gordy:

“Meu nome é Gordy e eu sou um adolescente com autismo que não consegue falar. Eu prefiro este termo, ao invés de baixo funcionamento ou baixo desempenho, porque se eu estou escrevendo esta carta, e eu realmente estou, eu estou claramente em funcionamento. Eu me senti fortemente encorajado sobre escrever hoje para dar a vocês um pequeno insight extra sobre as ligações desconexas que supostamente deveriam fazer o meu cérebro e o meu corpo trabalharem juntos em harmonia. Mas eles não fazem isso juntos, e está tudo bem. Você vê, a vida para mim e para outros como eu é um jogo diário, no entanto, este jogo não é divertido, é um cabo-de-guerra. O meu cérebro, que é muito parecido com o seu, sabe o que quer e como fazer isso de forma bem clara. Meu corpo, que é muito parecido com o de um bêbado, ou com o de uma criança de um metro e oitenta, resiste.

Esta carta não é um grito por pena, já que pena não é o que eu estou procurando. Eu me amo exatamente do jeito que eu sou, um corpo de criança, um corpo bêbado e tudo mais. Esta carta é, no entanto, um grito por atenção, reconhecimento e aceitação.

Tendo a sua atenção, eu posso ajudá-lo a reconhecer os sinais de pessoas com autismo que não conseguem falar. Se você puder reconhecer esses sinais, então você será capaz de reconhecer nossas diferenças, o que depois leva à compreensão dessas diferenças, o que nos leva para as maravilhas da aceitação. Com estes ingredientes simples, juntos nós podemos criar um ambiente seguro, acolhedor e feliz para as pessoas com autismo e para as pessoas neurotípicas, igualmente. 

Os sinais físicos a observar são o agitar das mãos ou algum outro movimento socialmente inaceitável, palavras, ruídos ou comportamentos em geral. Isso é incontrolável. Com uma mente e os sentimentos muito parecidos com os de qualquer outra pessoa, você acredita realmente que nós gostamos de agir dessa maneira? Eu não, isso é certo.

Se uma pessoa se torna agressiva, mordendo ou batendo, por exemplo, obviamente, você deve proteger-se, mas não há razão para usar a agressão de volta. Lembre-se, esta agressão é uma reação incontrolável, provavelmente desencadeada pelo medo.

Nada significa mais para pessoas como nós que o respeito. Posso lhe dizer, com quase cem por cento de certeza, que a situação vai ficar muito mais fácil com este entendimento.

Tenho muito respeito por todos vocês e por tudo o que vocês fazem. Se não fosse por vocês, eu nunca teria tido esta oportunidade para defender a mim e às outras pessoas com autismo. Estou ansioso para conhecê-los.

Atenciosamente, 

Gordy”

Você conhece ou se relaciona com alguma pessoa com autismo não-verbal ou que no momento não consegue falar, mas consegue se comunicar por figuras ou por linguagem escrita? Deixe seu comentário e compartilhe sua experiência com outros pais e profissionais.